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Catequese, caminho para o discipulado (Sr. Ivete Holthmam).18/07/2010: Casa generalícia - Roma
Catequese, caminho para o discipulado
A fonte de todo processo de fé é a Palavra de Deus. Poderíamos nos perguntar: Como fazer para que os catequizandos cheguem à experiência de conhecer o Senhor, Sejam capazes de assumir a própria fé. Este é um longo processo, que envolve a escuta da Palavra de Deus através dos catequistas e outros formados na área da teologia, da fé. Além disso, por parte da pessoa, envolve a perseverança.
Para melhor entender este processo apresentamos aqui uma das mais brilhantes histórias bíblicas cuja função é precisamente ilustrar a caminhada de uma pessoa até sua experiência religiosa, seu encontro adulto com Deus.
1Samuel 3,1-10
Esta parte do Livro de Samuel lida com a grave crise religiosa no fim da vida de Eli, homem de Deus e profeta, e a passagem da autoridade para as mãos de Samuel. Para tratar da preparação, do treinamento que permitirá a Samuel assumir esta função de autoridade religiosa no meio do povo, o autor desta história se serve do modelo mestre-discípulo, modelo esse que poderia ser verificado em outros lugares da Escritura.
Eis o relato:
(1) “O jovem Samuel servia (heb.: sharet) ao Senhor na presença de Eli, e a palavra do Senhor era rara naqueles dias e as visões eram infrequentes. (2) E aconteceu naquele dia, que estando Eli deitado em seu lugar, seus olhos começavam a se escurecer e ele não conseguia enxergar. (3) E a lâmpada de Deus ainda não se havia apagado. E Samuel está deitado no santuário do Senhor, onde se encontrava a Arca de Deus. (4) E o Senhor chamou Samuel, e ele disse,‘Eis-me aqui’, (5) e correu para junto de Eli e disse, ‘Eis-me aqui, pois me chamaste’. Disse, ‘Não chamei; vai de volta, e deita-te’. Ele foi e deitou-se. (6) E o Senhor continuou a chamar Samuel. Samuel se levantou e se dirigiu para junto de Eli e disse, ‘Eis-me aqui, pois me chamaste’. Ele disse, ‘Não chamei, meu filho. Volta a deitar-te’. (7) Samuel ainda não conhecia o Senhor e a palavra do Senhor ainda não lhe fora revelada. (8) E continuou o Senhor a chamar Samuel a terceira vez. Ele se levantou e se dirigiu a Eli e disse, ‘Eis-me aqui, pois me chamaste’. E entendeu então Eli que o Senhor chamava o menino. (9) E disse Eli a Samuel, ‘Vai, deita-te, e se te chamar, responderás, ‘Fala Senhor, o teu servo (heb.: abad) escuta’, e Samuel foi deitar-se no seu lugar. (10) E veio o Senhor e plantou-se ali e chamou como das outras vezes, ‘Samuel, Samuel’, e ele disse, ‘Fala, porque o teu servo (heb.: abad) escuta’”.
A relação mestre-discípulo transparece logo na entrada do relato: “O jovem Samuel servia o Senhor na presença de Eli” O verbo empregado aqui “servir” (sharet) é um verbo técnico, ou seja, um verbo que se usa para falar do serviço que o discípulo presta ao seu mestre. A Escritura apresenta o discípulo como servidor do mestre. É desta forma que Josué é chamado ‘o servidor’ (mesharet) -, de Moisés (Ex.24,13; 33,11). O ideal é servir o Senhor na presença do Senhor. No entanto, Samuel serve o Senhor na presença de Eli. Ele ainda não chegou a maturidade para compreender que deve servir o Senhor na presença do Senhor. Estamos, portanto diante de uma relação mestre-discípulo. Que se tornou fundamental para o NT. Os quatro Evangelhos vão falar dessa relação e o verbo empregado é sempre o verbo “servir”. Samuel serve ao Senhor na presença de Eli. Ele é discípulo de Eli e Eli é seu mestre. Qual é a função de Eli? Treinar Samuel para que ele chegue a uma autonomia religiosa e possa servir o Senhor na presença do Senhor. Na linguagem de hoje, diríamos que Eli é o catequista e Samuel é o catequizando Como mestre, catequista de Samuel, o que ele deve fazer? Sua tarefa consiste em passar ao seu discípulo toda a história, a cultura, a tradição, os costumes a fim de que Samuel possa chegar à maturidade religiosa o que se dará quando se identificar com todos esses fatores. Esse é o treinamento, essa é a catequese, esse é o caminho do discípulo. E a história continua: “a palavra do Senhor era rara naqueles dias”.. A razão para Deus falar pouco, na área da teologia, significa crise. Há um problema de relacionamento entre Deus e o povo, ou seja, infidelidade. O mesmo acontece quando existe uma crise entre pessoas, a tendência é fechar-se. É a condição humana. O autor se serve do mesmo modelo para falar do relacionamento comunidade/divindade. Já não se ouvia mais a voz do Senhor e consequentemente “as visões eram infrequentes”, só ocasionalmente havia a visão de Deus. Isso também denota crise. O relato segue dizendo: “Os olhos de Eli começaram a enfraquecer”. É natural que o homem idoso tenha dificuldade em ver. Mas não é isso que o autor está tentando dizer. Aqui não se trata de problema visual. Eli é um homem de Deus, um sacerdote, aquele que no meio de Israel representa a religião. Se ele começa a ficar cego, o autor quer dizer que Eli está entrando numa cegueira espiritual, na área da teologia, na área da fé. Em outras palavras, a relação entre Deus e o povo não esta bem. A vivência religiosa de Israel está frouxa. Eis outra figura para falar do problema: “A lâmpada de Deus ainda não se tinha apagado”. É uma chama bruxuleante, fraca, quase no fim. A Palavra não está fazendo parte da vida, a vivência dos valores está debilitada. No entanto, sempre há uma pequena chama que arde no coração da comunidade, há sempre alguém com fé, esperança. Dentro desse contexto vai entrar em cena aquele que vai colocar óleo nesta lâmpada. Colocar pavio novo na lâmpada. Ou seja, que vai fazer com que a Palavra de Deus ilumine a realidade presente e continue agindo no meio do povo. Independentemente da crise, Eli ainda desempenha sua função de mestre, pois deve treinar seu sucessor. É necessário um novo líder. Samuel era discípulo, aprendiz, morava com seu mestre no santuário. Seus pais o tinham trazido aí logo que fora desmamado. Sua mãe, Ana, era estéril, certa ocasião tinha ido a peregrinação a Silo onde fez uma prece ao Senhor pedindo um filho. Se Deus lhe concedesse o pedido, se Deus lhe desse um filho, ela o entregaria ao serviço do Senhor por toda a vida. E foi dessa maneira que Samuel foi entregue aos cuidados de Eli, sacerdote do santuário. Por isso o autor diz que, “Samuel está deitado no santuário do Senhor, onde se encontrava a Arca de Deus”. Portanto, na presença de Deus que o chama três vezes.
Primeiro chamado Na primeira, vez Samuel “correu para junto de Eli e disse, ‘Eis-me aqui, pois me chamaste’E Eli responde: ‘Não chamei; vai de volta, e deita-te’. Na verdade é Deus quem o chama, entretanto, ele ouve a voz do mestre. O que o autor do relato está tentando mostrar? Que a voz de Deus passa pela voz do mestre, ou dos nossos pais, educadores, catequistas, etc. Ele quer dizer que tudo o que Samuel tem em matéria de religião, de teologia, de catequese vem do seu mestre. A palavra, os ensinamentos, a instrução, toda essa bagagem veio a Samuel por meio de seu mestre. Anos e anos de escuta, partilha, serviço. Este é o caminho que o levará à independência, à autonomia religiosa e a partir de então ele passará a ouvir a voz de Deus. Esse é o treinamento pelo qual deve passar.
Segundo chamado Na segunda vez que ouve o chamado de Deus, ocorre a mesma coisa, ao ouvi-lo “ele se dirigiu a Eli e disse, ‘Eis-me aqui, pois me chamaste’E Eli responde: ‘Não chamei; vai de volta, e deita-te’Logo em seguida o autor do relato explica porque o jovem corre para seu mestre: “Samuel ainda não conhecia o Senhor. “A Palavra do Senhor ainda não fora revelada a ele”. Será possível que estando servindo o Senhor ainda não o conhecesse? Conhecia só de ouvir falar, como Jó (42,5), no entanto, não tinha feito sua experiência pessoal, seu encontro maduro com Deus.
Terceiro chamado Pela terceira vez Deus o chama, ele se dirige ao seu mestre.‘Eis-me aqui, pois me chamaste’ Desta vezEli lhe diz: “Vai, deita-te, e se te chamar, responderás, ‘Fala Senhor, o teu servo escuta,”. É precisamente aqui o momento em que Samuel vai fazer a distinção entre a voz que sempre ouviu no treinamento, na catequese da a voz que doravante passará a ouvir, a voz divina. Vale lembrar que a história começa com o verbo “servir” (sharet), que significa o serviço que se presta a um mestre. E termina com a palavra “servo” (abad) que também tem a ver com “servir”, mas é uma palavra que só se utiliza para o serviço a Deus. Agora ele já não “serve” (Sharet) através de alguém, senão que, “serve” (avad) diretamente ao Senhor. Tudo isso para dizer que, durante o período de nossa vida, tudo o que nós sabemos de religião e teologia é aquilo que ouvimos e recebemos de nossos mestres e mestras: pai, mãe, professor, professora, avô, avó, catequista, Pastor, Padre... A criança e o adolescente crê através dos adultos, através da fé daqueles e daquelas que catequizam. A passagem vai acontecendo ao longo da vida, quando há uma formação contínua, um estudo, um aprofundamento a respeito da fé, da religião. A partir daí começa a acontecer um amadurecimento no relacionamento com o divino. O seguimento não é porque a pessoa ouve ou lê sobre a fé. Pelo contrário, o que conta é que há algo que durante o processo de aprendizagem vai sendo assumido como da própria pessoa, uma transformação que vem do interior. Conseqüentemente podemos dizer que a pessoa começa a ler as Escrituras divinas em tábuas humanas. Discípulo na tradição judaica Neste mesmo espírito da história de Samuel, vamos aprofundar o tema do discipulado e especialmente a relação mestre/discípulo no judaísmo do segundo Templo. Em primeiro lugar é necessário afirmar que o discipulado existia mesmo antes do tempo do ministério terrestre de Jesus. Vários séculos antes de sua vinda a este mundo em carne humana, havia mestres que formavam discípulos, influenciando a vida de outros com suas instruções. Isso acontecia com gregos, judeus, chineses e outras culturas antigas. Vários desses mestres se recusavam a aceitar o uso do termo “mestre” em referência a si mesmos ou de discípulos em referência aos seus alunos, visto que era tão íntimo o laço entre eles. Notamos que, “os Fariseus e seus discípulos chamam seus mestres ‘Sábios’, e, entre si, chamam-se ‘Discípulos dos Sábios’”.(Talmud) Jesus mesmo vai dizer: “Não permitais que vos chamem ‘Rabi’, pois um só é o vosso mestre e todos vós sois irmãos” (Mt 23,8). Uma atenção mais ampla ao uso no Novo Testamento e na tradição judaica revela que “discípulo” implica uma ligação mais profunda com o “mestre” do que às vezes podemos imaginar no uso moderno das palavras “aluno” e “estudante”. A relação que se cria entre mestre e discípulo não é somente ligada ao estudo da Palavra de Deus, mas envolve um contato pessoal e há uma participação efetiva e afetiva de um na vida do outro. O discípulo não se senta apenas aos pés do mestre e aprende com ele a Torá. Ele na verdade se compromete ao ensino do mestre. Ser discípulo implica não apenas em ouvir o mestre, mas na aceitação, dedicação exclusiva, aderindo ao seu ensino como também ao estilo de vida do mestre. Lembramos aqui a atitude de Samuel, ao ouvir o chamado, responde imediatamente. Está a seu serviço dia e noite. De maneira abrangente, o que quer que o discípulo aprenda através do mestre, faz parte da cultura do povo.Portanto, palavras como “adepto” e mesmo “aprendiz” devem ser acrescentadas para compreendermos melhor o significado de ”discípulo”. Qual deve ser a atitude do discípulo? Deve estar em tudo de acordo com o mestre. Deve observar cada passo, cada gesto do seu mestre: como ele fala, anda, se veste, gesticula, se comporta à mesa, como se serve, como trata as pessoas, a sobriedade, pois o mestre é alguém que encarna o ideal de uma vida em sociedade: cultura, idioma, habilidade, costumes etc. O discípulo está sempre diante do seu mestre, olha-o e é por ele olhado, o conhece e é por ele conhecido. Assimila de tal maneira que reproduz todos os seus gestos e ensinamentos. Anos e anos de convivência, de partilha, de vida juntos. É através de tudo isso que vai entrando a teologia. Além do mais a exigência é que o discípulo jamais se afaste do seu mestre, como diz o Evangelho: “Onde eu estiver, aí estará também o meu servo” (Jo 12,26). Se for preciso, até deve desobedecer, mas jamais deixa-lo. É o que observamos na história de Elias e Eliseu. Para demonstrar que Eliseu é autêntico discípulo de Elias, três vezes ele faz Elias dizer uma mesma frase a Eliseu, só mudando o lugar. Se trata de um teste, e a frase é a seguinte: “Eliseu, você fica aqui porque o Senhor me envia até ...”. (2Rs 2,2.4.6.). O teste consiste em dar uma ordem – e a ordem dada, aparentemente, carrega a autoridade de Deus – ‘o Senhor me enviou...’ Obedecer ou não obedecer? Aparentemente, o correto seria esperar que Eliseu obedecesse, e não seguisse Elias. Mas, neste caso, ele ficaria separado de seu mestre – algo inadmissível na relação mestre-discípulo – por isso, ele tem que desobedecer a ordem, e, acompanhar seu mestre. Como a seqüência do texto mostra, isto acontece três vezes: vs. 2;4;6; a mesma coisa, repetida três vezes, resulta numa conclusão indiscutível. E vejam o que Eliseu responde: “Certo como vive o Senhor e tu vives, jamais te deixarei”. (2Rs 2,5). Essa deve necessariamente ser a resposta do discípulo. O verdadeiro discípulo permanece com seu mestre até o fim, de modo nenhum afasta-se dele.Pois ele está convencido de que o ensinamento recebido de seu mestre vem de Deus. E aqui, vale lembrar o discípulo amado do Evangelho de João que permanece com Jesus até o último momento de sua vida. (Cf. Jo 19,26). Eliseu é um discípulo. Ele sabe que ficar é errado e desobedecer é o certo, pois um discípulo, em hipótese alguma, se afasta do seu mestre. O mestre é aquele que instrui, que dirige, que corrige, que explica, tudo o que ele mesmo aprendeu quando foi discípulo, naturalmente acrescentando através de seus próprios desenvolvimentos. “Por isso, todo o escriba instruído acerca do reino dos céus é semelhante a um pai de família, que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Mt 13,52).No mestre está toda a teologia do povo e que deve ser transmitida à nova geração. A relação mestre-discípulo assegura a continuidade da tradição. E essa continuidade se mostra na fidelidade ao antigo e na capacidade de fazer sair coisas novas do antigo.´‘A fidelidade religiosa do discípulo ao ensinamento do mestre é garantia de conservação autêntica e fator de legítima inovação, a qual se faz através da exegese’. (Pierre Lenhardt). Não significa que quando o discípulo chega a ser mestre, ele vai ser uma reprodução do mestre, seu clone, mas vai também fazer coisas que o mestre não fez, vai ver o que o mestre não viu. Isso é o que chamamos de inovação. O Evangelho de João coloca: “Se vocês fizerem tudo o que eu mandar, ou seja, se vocês forem os meus verdadeiros discípulos vocês farão as obras que faço e farão até maiores do que elas” (Cf. Mt 21,21; Jo 14,12) A relação que se estabelece entre eles é de pai e filho. Os mestres, educadores da fé devem ser venerados como pai e mãe, pois estes dão a vida física, aqueles dão a vida que vem de Deus. Da mesma forma que não recebemos a vida senão através dos pais, assim também, não podemos receber a Palavra de Deus sem os sábios que a transmitem. Daí a necessidade de formar novos discípulos para não quebrar a cadeia da transmissão.
Discípulos no NT.
A relação mestre-discípulo no NT segue basicamente o mesmo esquema do judaísmo como algo que o diferencia. Não se trata apenas de seguir Jesus, o mestre de Nazaré. Que os hagiógrafos dos Evangelhos estão fazendo uma catequese, o que eles querem ensinar é como ser discípulo de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Num primeiro momento o que se observa é Jesus chamando seus discípulos para estar com Ele, seguir suas pegadas, fazer seu caminho. A permanência com o mestre, como já vimos, é condição indispensável para o discipulado. Estar com Ele é o ponto de partida para o conhecimento íntimo, e só é conhecido na medida em que é imitado. Seguir Jesus é identificar-se com suas atitudes, com seu Espírito, com seus valores, imitá-lo em tudo. Como diz Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. Ele assimila de tal maneira a pessoa do Mestre que é capaz de fazer tal afirmação. Motivado pela fé e pelo amor o discípulo não deveria deixa-lo em nenhum momento. Será que foi isto que aconteceu com os discípulos de Jesus? Vamos ver alguns exemplos. Pedro que aparece como líder, está sempre duvidando ou tendo atitudes que não condizem com um verdadeiro discípulo. “E respondeu-lhe Pedro: Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas” (Mt 14,28). Pedro duvida, “se és tu”. Essa dúvida demonstra o quanto Pedro ainda tem que caminhar para ser um genuíno discípulo. Ele é fraco na fé, ele afunda. Como Israel no deserto, ele precisa se submeter a muitas provas, precisa enfrentar o processo de crescimento de um adolescente antes de se tornar um seguidor adulto de Jesus Cristo. Quando Jesus está explicando que deve ir a Jerusalém para sofrer, Pedro quer desviar os passos de Jesus, no entanto é o próprio Jesus que o repreende: “Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens” (Mt 16,21-23; Mc 8,33). Seria verdadeiramente discípulo maduro na fé se se colocasse ao lado de seu mestre. Ele é humano, está aprendendo. Em outra passagem, deseja ser recompensado: “Eis que nós deixamos tudo, e te seguimos; que receberemos?” (Mt 19,27). Não compreende o que é a gratuidade, o serviço ao Reino. Quando Jesus lhe lava os pés, quer se recusar. Julga segundo as normas humanas. No entanto o gesto de Jesus fundamenta para os discípulos a capacidade e o dever de imitar o Senhor. A condição do discípulo deve necessariamente se parecer com a de Jesus conduzindo o indivíduo ao dom da própria vida a serviço de seus irmãos. Pedro não compreende. Diz que vai ser fiel até o fim, afirma: “Ainda que me seja mister morrer contigo, não te negarei” (Mt 26,35) mas foge quando seu mestre está sendo preso. “E todos os discípulos disseram o mesmo”, e também fugiram. De qualquer maneira podemos ver na figura de Pedro todo discípulo, mesmo nós hoje. Como dissemos acima, o único discípulo verdadeiro é mostrado no Evangelho de João quando trata do discípulo amado. Por quê? Porque não abandona seu mestre, ele vai até o fim, chega aos pés da cruz e vai dar continuidade à sua missão. Vejamos a figura de Tomé no Evangelho de João. “Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho? (14,5). É o tipo da pergunta que só quem não compreende e está em aprendizagem é capaz de fazer. O verdadeiro discípulo deve saber tudo do mestre, conhecê-lo a fundo. Neste caso, Tomé está aprendendo do seu mestre, portanto Jesus responde: “Eu sou o Caminho”. O caminho é seguir Jesus. Logo em seguida aparece Felipe dizendo: “Mostra-nos o Pai” . E Jesus pergunta: ”Como, mostra-nos o Pai?” (14,9).Estou a tanto tempo convosco e ainda não me conheceis? Na realidade são questões que podem surgir com qualquer um que se coloca nesse caminho com Jesus. É no caminho que se vai aprendendo, caindo e levantando. O discípulo só vai estar preparado quando souber dizer: “Fala Senhor, o teu servo escuta”. (1Sam 3,9).
Fazer um caminho
Foi neste caminho que Israel entrou quando decidiu sair da escravidão e servir o Senhor. Israel aprendeu a conhecer o Senhor no caminho do deserto. É o próprio Deus que os dirige, conduz, orienta; é a nuvem durante o dia e a coluna de fogo durante a noite, elementos que simbolizam a presença de Deus. A única certeza, Ele caminha conosco. O “caminho” ou os “caminhos de Deus” denotam assim, sua atividade libertadora (Sl 67,3) ou de maneira mais geral, o modo de agir de Deus (Sl 25,10;145,17). Todas as dificuldades não são em vão, servem precisamente para colocar a confiança do discípulo só Nele e em mais ninguém. A prova é um dos elementos que leva à confiança. O próprio Deus dá uma explicação: "Recordar-te-ás de todo o caminho pelo qual o Senhor, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus mandamentos" (Dt 8,2). Mais tarde a reflexão do AT vai dizer que “Andar nos caminhos do Senhor” significa agir segundo a vontade de Deus, revelada em seus mandamentos e prescrições. Nos Evangelhos, a concepção de “caminho, está intimamente associada a de “seguimento”. O discípulo tem que ser seguidor de Jesus. Em seu sentido ordinário, “seguir” significa manter-se perto de alguém, supõe caminho comum. Deste sentido se passa facilmente para o figurado. Dado que o ‘caminho’ é figura de conduta, de modo de proceder, consequentemente “seguir” Jesus significa ser discípulo e o verdadeiro discípulo é aquele que escuta a Palavra, a acolhe e pratica (Mt 7,21ss; Lc 11,27-28). Enquanto o povo fazia o percurso do deserto, era educado pela Palavra, consequentemente a condição para no caminho do discipulado é o conhecimento e o encantamento pela Palavra de Deus. Dizia o Papa no discurso inaugural da V Conferência: “É preciso educar o povo na leitura e meditação da Palavra de Deus”. Ser discípulo é freqüentar a escola de Jesus, e sua escola é baseada na Palavra de Deus (247). “Os discípulos instruídos na escola de Jesus deixam tudo para encontrar tudo; eles se despojam para se revestir de Jesus Cristo” (Pe. Teodoro). A atitude do catequizando é de escuta e assimilação. Escuta da Palavra de Deus explicada, interpretada, mastigada por seu catequista, seu mestre. Ouvir, em hebraico se diz: shema, este verbo não significa somente escutar com a orelha, mas envolve a compreensão, a fé do coração. Ouvir supõe guardar a Palavra na memória do coração, de maneira que esta Palavra anteriormente escutada amadureça, cresça, até que Deus revele o seu significado. Neste caminho catequético o discípulo ouve, interioriza e entra num processo de conversão. No entanto, para que isso aconteça precisamos de discípulos que já estão na escola da Palavra e se sentem enviados a ser mestres da Palavra. A Torah divina, a Palavra objetiva de Deus que se revela, não é conhecida senão porque os homens que a receberam a transmitiram e a transmitem ainda na relação Mestre-Discípulo. (Pierre Lenhardt). Como diz São Paulo: “Como creriam nele, sem o terem ouvido?Como ouviriam, se não há quem pregue?... De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir através da palavra de Cristo” (Rm 10,14.17). Lembramos que a idéia de “crer” vem de um radical hebraico que significa treinar. O sentido básico é treinamento para a fé. Ao longo do treinamento a pessoa adquire a experiência de viver uma relação de confiança, de fé. O catequista tem a responsabilidade de ser verdadeiramente discípulo, experimentar a Palavra de Deus em sua boca e no seu coração e só então transmiti-la. Ele não prega a si mesmo, mas a Jesus Cristo, sendo fiel à Palavra e à integridade de sua mensagem (cf. DNC 27). A catequese tem como tarefa proporcionar a todos o entendimento claro e profundo de tudo o que Deus nos quis transmitir por meio da Tradição e da Sagrada Escritura. Para isso é necessário de discípulos bem formados na escola da Palavra. Deus, através da catequese, continua falando ao seu povo. Fazer uma catequese de inspiração bíblica implica fidelidade aos ensinamentos de Bíblicos e da Igreja, ou seja, toda a tradição Transmitir de modo integral a Palavra, sem reducionismos ou omissões. A mensagem catequética deve estar fundamentada na Bíblia, a nossa realidade e o nosso hoje devem ser iluminados por ela. Também a sagrada liturgia é fonte da catequese, pois nela se manifesta a Palavra de Deus (cf. DNC, 112). Seja qual for o ministério que assumimos, o fundamental é seguir Jesus Mestre, pois “ser discípulo é um dom destinado a crescer” (DA 291). É um caminho que se faz pouco o pouco e não tem fim, ninguém pode dizer que é um cristão acabado. “A catequese não deve ser só ocasional, reduzida a momentos prévios aos sacramentos ou à iniciação cristã, mas sim ‘itinerário catequético permanente’” (Bento XVI).
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