por Irmã Carmen Farrugia
Ecce Homo é uma edificação construída sobre o Lithostrotos, onde a tradição afirma que Pilatos julgou Jesus. Todos os dias, milhares de peregrinos falando várias línguas vinham visitar este lugar sagrado, e muitos se hospedavam em nossa casa de peregrinação.
As irmãs também dirigiam uma escola para meninas, que oferecia educação desde o jardim de infância até o ensino médio. As línguas ensinadas na escola eram francês, inglês e árabe. As alunas vinham principalmente de famílias árabes locais, mas um grande número também veio de países árabes vizinhos: Jordânia, Líbano e Kuwait. As que vinham de fora de Jerusalém permaneciam na instituição no regime de internato.
Pois bem: foi neste cenário em que aqui cheguei, durante a Semana Santa de 1965, e fui imediatamente designada para ensinar inglês em várias turmas, bem como oferecer visitas guiadas em inglês no Lithostrotos às pessoas que lá chegavam em peregrinação. Também comecei a aprender árabe.
Me sentia muito feliz por estar em Jerusalém
Me sentia muito feliz por estar em Jerusalém morando com irmãs de origem principalmente francesa! Nossas alunas eram cristãs (católicas, ortodoxas e protestantes) e muçulmanas. Elas faziam todas as aulas juntas, mas, quando se tratava de estudos religiosos, as meninas muçulmanas passavam o tempo na biblioteca.
Quando me acomodei e me familiarizei com a vida e o ensino nesta escola de Sion em Jerusalém, fiquei ciente da situação política e do antagonismo de algumas das meninas em relação ao que chamavam de inimigo.
Fiquei muito grata porque as meninas ouviram com atenção
Minha educação em Malta, durante a Segunda Guerra Mundial, e a formação que recebi em Sion me levaram a viver o carisma de Sion da melhor maneira possível. Então compartilhei essa história da minha infância com algumas das meninas que vinham falando sobre os seus inimigos.
Foi assim: eu estava sentada na oficina de meu pai, quando um prisioneiro de guerra alemão, vindo de um campo próximo, elogiou uma máquina feita na Alemanha que meu pai estava usando. Depois que o prisioneiro saiu, perguntei ao meu pai: “Por que você fala com nosso inimigo?” Meu pai disse: “Minha filha, aquele soldado não escolheu vir nos bombardear: foi o governo dele que obrigou. Ele tem mulher e filhos, como eu.”
Concluí a história dizendo que meu pai havia me dado uma das lições mais importantes da minha vida. Dentro de mim, eu estava cheia de gratidão porque as meninas ouviram com atenção e não fizeram mais comentários.
Continuei lecionando na escola e descobrindo Jerusalém por mais dois anos e meio até que, em junho de 1967, foi deflagrada a Guerra dos Seis Dias. Alguns dos pais das meninas chegaram repentinamente da Jordânia e levaram as filhas para casa. Em poucas horas, ficamos com 35 meninas que não conseguiram sair do país. Irmãs e estudantes se abrigaram no metrô de Lithostrotos, dia e noite.
Lecionar nas duas escolas me ensinou muito
Depois disso, a escola continuou funcionando por mais um ano, mas só para as meninas de Jerusalém, Belém e Ramallah, já que as fronteiras do país haviam mudado. Era costume na escola que cada turma tivesse uma professora responsável pela formação pessoal. Então, antes do início das aulas, eu costumava ler para minha turma alguma literatura ou texto inspirador. Uma manhã, duas das meninas chegaram correndo, gritando: “Irmã, irmã!” “Quais as novidades?”, perguntei. Elas disseram: “No caminho para a escola, dois judeus nos perguntaram se éramos muçulmanas, e nós dissemos ‘não’. Então eles perguntaram se éramos cristãs. Nós respondemos: ‘Nenhum dos dois. Uma é cristã e a outra é muçulmana.’” E foi assim que os árabes de Jerusalém Oriental começaram a descobrir os judeus, e vice-versa. Também em Ecce Homo, após a Guerra dos Seis Dias, a Universidade Hebraica de Jerusalém estabeleceu um ulpan – uma escola noturna de idiomas que ensina hebraico aos árabes, e árabe aos israelenses. Lá, fui aluna e também facilitadora para os israelenses aprenderem árabe.
Em 1971, depois de cursar um ulpan mais intensivo para aprender hebraico e aprofundar meus estudos, encontrei um emprego de professora em uma escola secundária municipal israelense em Jerusalém Oriental, novamente como professora de inglês. Esta escola abrigou 1600 meninas palestinas de Jerusalém Oriental e das aldeias próximas. Todas as meninas eram muçulmanas. Tínhamos uma equipe de cerca de 90 professores. A escola preparava as alunas para o Tawjihi, certificado de graduação jordaniano exigido para ingressar em uma universidade árabe. Eram oferecidas opções de formação científicas, literárias, de secretariado e domésticas. Embora o currículo da língua inglesa fosse idêntico, era preciso ser bastante criativa para adaptar o conteúdo às diferentes modalidades de formação.
Lecionar em ambas as escolas me ensinou muito sobre como conhecer os árabes e os israelenses, mas também sobre como viver o carisma de Sion em uma situação de conflito.